Consumidores, anúncios errados e o PROCON: os coitadinhos malfeitores

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O mundo moderno é profundamente fundado no Direito. Apesar de, para alguns, parecer bom o Direito aspirar a tudo controlar, isso qualifica a sociedade como sendo mais desconectada de relações de confiança, acordo e boa-fé e mais aproximada à desconfiança, litígio e má-fé.

De fato, sociedades onde há mais confiança, boa vontade de acordo e boa-fé possuem muito menos problemas jurídicos e processos judiciais, sendo que o contrário também será válido. O Brasil é prova.

Mas não é só no Brasil que se vive o século do "self", na referência à máxima elevação das vontades pessoais, sob o argumento de se tratar de direitos coletivos de igualdade, reciprocidade e reparação. Como dito acima, é o mundo moderno que isso vivencia, originando a chamada "Era dos Direitos".

Só que rapidamente vemos que a era dos direitos conquistados ilogicamente, como que por imposição benemérita e sem qualquer razão de ser, começa já a fundar a era seguinte: "A Era do Abuso dos Direitos", que no fundo, era exatamente a parte final do plano.

Ora, se tudo em maior ou menor grau pode me ser atribuído como um direito, isso significa que, em maior ou menor grau, todos têm comigo algum dever. Não há direitos sem deveres correspondentes.

E como ninguém nos tempos modernos gosta de ter deveres, pois soa como algo agressivo – talvez até abusivo! – outorga-se o dever a entidades fictícias, como o Estado, a "sociedade", as "grandes corporações", o "grande capital" e coisas equivalentes.

Quem nunca ouviu dizer que a culpa da crise é "dos ricos", sem estabelecer sequer quem são os ricos ou qual é a medida para dizer que alguém é rico? "Vamos taxar grandes fortunas!" insistem os revolucionários do país em que se considera "classe média alta" aquele que recebe entre R$ 641,00 e R$ 1.019,00 mensais.

Parabéns! Se você recebe R$ 1.020,00 por que não enquadrá-lo como dono de uma grande fortuna, sujeita a tributação mais elevada em prol da "coletividade"?

Existe uma velha piada em que dois camaradas conversam e um deles diz: "Se eu tivesse 10 casas, 20 automóveis e 30 barcos, daria tudo aos mais necessitados!" E o outro retruca: "então por que não lhes dá as suas duas galinhas?". Então ele responde: "Porque as galinhas eu tenho".

Tudo soa ótimo quando se cria obrigações – de índole moral ou jurídica – para os outros. Mas, para si, obrigações, jamais! Apenas direitos.

A esse respeito, temos no Brasil um verdadeiro Sistema de Defesa do Consumidor, encabeçado pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor, que dá o espírito das leis sobre o tema, e pela atuação de órgãos de controle extrajudiciais nessa matéria: o PROCON.

Quem é empresário no Brasil sabe muito bem dos riscos da atividade, seja na esfera trabalhista, tributária ou no relacionamento com o consumidor. Sempre que o empresário sofre algum prejuízo grave, a sociedade lhe observa, com olhar de indiferença, dizendo "risco do negócio".

Porém, se o consumidor agir objetivamente de má-fé, ele não só poderá continuar a ser contemplado pelo nosso "direito" como ainda receberá todo o apoio de órgãos de proteção ao consumo, como se fosse um coitadinho lesado por pessoas malvadas. É a tal "Era do Abuso dos Direitos" que citei acima.

E há aplausos quando alguém age de má-fé. É "ser esperto". É "ter sacada de advogado". Não, é apenas má-fé.

Antes de mais nada, para bem se vivenciar o direito em meio às relações humanas, o mais essencial é recorrer àquilo que pouco vemos atualmente: a boa-fé manifesta e objetiva.

Assim, quando uma empresa faz algum anúncio de venda, por exemplo, ela primariamente se vincula àquela oferta que fez, pois essa oferta gerou a expectativa em um consumidor, de modo que a empresa somente poderá se escusar de cumpri-la se a tal oferta não tiver a capacidade de gerar efetiva expectativa ao consumidor.

Há, portanto, casos e casos e, recentemente, em um espaço inferior a um mês, tivemos pelo menos duas situações que ilustram bem os aspectos que envolvem o dever de cumprir a oferta e a boa-fé.

Em 19/07/2017 a empresa Air Europa ofertou passagens aéreas partindo do Brasil com destino a Paris pelo preço unitário de R$ 1.012,00.

Muitas pessoas adquiriram essas passagens, a empresa disse que se tratava de erro e cancelou as passagens emitidas. Depois, voltou atrás e disse que honraria a oferta.

R$ 1.012,00 em voo de São Paulo a Paris é um preço baixo? Sim. É uma grande oferta? Sim. É um valor impraticável, impensável? Não.

Quem viaja com frequência sabe que não raro existem boas promoções de passagens, considerando a época do ano, a distância até a data da viagem, dentre outros fatores. Muitas vezes as empresas aéreas oferecem a passagem de ida a um valor cheio e a volta a R$ 30,00, R$ 40,00.

Assim, quem compra algo nessa condição, tem a legítima expectativa de que se trata de algo genuíno, uma promoção. Tanto o é que a empresa reviu seu posicionamento e passou a honrar a oferta.

A boa-fé, aqui, reside em perceber que a ação da empresa, mesmo talvez não tendo sido a mais correta dentro de seu plano de negócios, era factível e gerou expectativa legítima aos clientes, dentro daquilo que ordinariamente se observa em casos similares. O consumidor tem razão em pleitear o cumprimento da oferta.

Por outro lado, em 12/08/2017, um supermercado anunciou uma Smart TV LED de 55 polegadas da marca Samsung, nova, por R$ 279,00. O preço correto, segundo informações, seria de R$ 2.799,00, ou seja, colocou-se o valor de uma parcela como sendo o valor total. Alguns consumidores foram até a loja e quiseram fazer valer o anúncio.

E aí entra a análise diante da boa-fé do consumidor, mais uma vez. Alguma vez já se anunciou uma Smart TV moderna, de 55 polegadas, por esse preço ou por preço próximo? Por R$ 279,00 não se compra sequer um celular ou tablet, hoje em dia.

É muito evidente tratar-se de um erro e a boa-fé objetiva, que orienta os contratos de toda natureza, sobretudo os de consumo, deve ser levada em conta para não se obrigar a empresa a ter que cumprir um anúncio nitidamente errado.

Mas os consumidores, vendo o anúncio errado, por si só, dizem ter "direitos". E o pior: o PROCON, órgão que deveria ser de controle, para evitar abusos de todos os lados, age para "proteger" o coitadinho e inocente, que só quer ter o "direito" de comprar uma TV enorme a um preço impraticável para qualquer mercado.

Imaginemos que isso vire um processo judicial. Inclusive com o apoio do PROCON, a empresa estaria com a espada sobre sua cabeça, tendo que provar que a grama é verde para demonstrar a má-fé do consumidor. Se perder, além do prejuízo financeiro, será noticiada por todos como uma empresa que "não respeita os direitos do consumidor".

Mas se ela ganhar a ação, ela ganha… a ação. O consumidor que usou o Judiciário para girar a roleta e puxar a alavanca do caça níqueis não tem nenhuma penalidade para sua má-fé. Quer dizer, a legislação até estipula a existência de multa por litigância de má-fé, mas raramente se aplica em caso concreto.

Por que não processar? Não há nada a perder! Mesmo malfeitores, seremos sempre coitadinhos, vulneráveis, vítimas.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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