O SUS e a realidade: dois planos antagônicos

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Não muito tempo atrás, escrevi um artigo denominado "Novos dados sobre a judicialização da saúde: uma nova esperança?". Nele, observei que o Ministério da Saúde realizou um estudo finalmente relevante, capaz de, se levado em conta, gerar um plano de ação para começar a reduzir drasticamente os casos de processos relacionados a saúde, tratamentos médicos e oferta de medicamentos pelo Poder Público, bem como os gastos derivados.

Mas, como no Brasil ter um pouco de esperança é sempre o primeiro passo para a frustração, logo já surgiram loucuras para balancear o bom estudo anterior.

É verdade que essa última novidade, que passo a explicar abaixo, não tem tanto a ver com a questão da judicialização, mas com uma expansão de procedimentos a serem bancados pelo SUS.

No dia 12/03 passado, em evento no Rio de Janeiro, o Ministério da Saúde anunciou dez novas terapias alternativas a serem ofertadas no âmbito do sistema público de saúde, tais como florais, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar e cromoterapia, chegando, agora, a 29 procedimentos do gênero no rol daqueles custeados com dinheiro público.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) reagiu imediatamente, sendo que o presidente da entidade, Carlos Vital, assim declarou à reportagem de O Estado de S. Paulo: "As práticas integrativas feitas no SUS não têm resolubilidade, não têm base na medicina em evidências e, portanto, oneram o sistema e não deveriam estar incorporadas" (veja aqui).

Apesar da clareza da afirmação do CFM, eu não tenho nenhum conhecimento técnico sobre o assunto e nem tenho a intenção de entrar no mérito para discutir se esses tratamentos são bons ou não, se funcionam ou não, se trazem conforto a pacientes ou não.

O que é claro a qualquer um é que estamos em um país onde mais de 50% das mulheres não conseguem fazer uma mamografia pelo SUS. Não conseguem, portanto, fazer um exame cujo objetivo maior pode ser a detecção do câncer de mama, aquele mais comum às mulheres e que mais as mata em todo o mundo.

Em dezembro de 2017, um levantamento inédito do Conselho Federal de Medicina verificou que há nada menos do que 904 mil cirurgias eletivas pendentes no âmbito do SUS. E quando falamos de "cirurgias eletivas", não estamos falando de implantes de silicone, mas de cirurgias de catarata, vesícula, hérnia, outras ortopédicas etc.. Não são pedidos caprichosos, mas de intervenções que visam melhorar diretamente a vida daquele que está buscando o tratamento. O mesmo levantamento indicou que, desse total, 746 procedimentos cirúrgicos são aguardados há mais de dez anos.

Enquanto escrevia este artigo, o telefone tocou e fui informado de que um conhecido estava passeando no Vale do Ribeira, que fica no Estado de São Paulo, Estado este mais rico e, provavelmente, melhor aparelhado do país em matéria de saúde e que sofreu um acidente, quebrando o pé.

Foi levado para o hospital local, mas lá não havia gesso. Foi feito um improviso e ele foi levado para a cidade vizinha, para colocação do gesso. Chegando lá, constatou-se que seria necessária cirurgia, coisa que aquele hospital não teria condições de realizar.

Foi colocado o gesso e ele voltou para a Capital, onde finalmente realizou a cirurgia e tudo correu bem.

Nos interiores do Estado melhor preparado do país, e em um interior nem tão longe assim dos grandes centros, não havia meios técnicos para se tratar adequadamente um pé quebrado. Mas, pelas novas normas do SUS, essa pessoa poderia se beneficiar de diversos tratamentos alternativos, custeados com dinheiro público.

Da forma como os regentes do SUS anunciam esses novos tratamentos, como verdadeiras "maravilhas", a sensação que temos é de que os gastos de saúde estão controlados, está sobrando dinheiro e podemos gastá-lo mesmo com procedimentos que a própria medicina questiona a eficácia, enquanto que, como todos sabemos, a realidade é exatamente o oposto: o SUS é um sistema naturalmente inviável, sem nenhum perigo de dar certo, dependendo de esforços heroicos daqueles que estão na ponta mais baixa do sistema de saúde, na linha de frente do atendimento ao público.

A falta de senso das proporções e de prioridades de nossos administradores públicos não é só motivo de espanto, mas um achincalhe com a população que realmente precisa de tratamentos de saúde.

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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