Parte 3: O fim das virtudes, dos símbolos e do cinema

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Por Bruno Barchi Muniz | LBM Advogados

No primeiro artigo comentamos sobre o cinema moderno estar exclusivamente focado em experiências nostálgicas, de retorno à infância dos espectadores.

No segundo, esclarecemos que não há mal algum em haver até mesmo filmes sem roteiro, desde que se diferencie “entretenimento” de “arte”, coisa que não mais acontece porque a arte simplesmente desapareceu de nosso horizonte.

Em razão disso, não há mais a exposição das virtudes, que é o objetivo último da arte, morrendo, da mesma forma, os símbolos que remetem a tais virtudes.

Hoje em dia, quando se tem em algum filme qualquer mínimo vislumbre de significado mais profundo ou de simbologia, ou é colocado de forma terrivelmente brega ou a mensagem é tão improvável de ser captada que não se sabe sequer se o roteirista sabe que ela está lá. O público certamente não sabe.

Exemplo do primeiro caso é o filme A Dama de Ferro, pelo qual Meryl Streep recebeu (e com justiça) o Oscar de melhor atriz ao interpretar Margaret Thatcher na história que relata o fim de sua vida, realizando flashbacks para momentos importantes de sua carreira.

Em certo momento relembra-se como ela, mulher, derrotou diversos homens importantes. Ao mesmo tempo em que ela fala, a cena é cortada para o momento atual da personagem, que derruba vários sapatos do marido, simbolizando os homens caídos e derrotados. É um símbolo tão mal construído que causa vergonha em quem assiste. Eu assisti a esse filme há uns 8 anos, pelo menos, e jamais esqueci essa cena, pelos piores motivos.

O segundo caso que comentei acima, da mensagem improvável, posso exemplificar com o último filme da saga Star Wars, A Ascenção Skywalker.

Os fãs, em geral, não gostaram do filme, pois ficou muito escancarado que o único apelo do filme era justamente o de se aproveitar da nostalgia dos aficionados (mediante o recebimento de muito dinheiro, é claro).

O The Guardian chegou a publicar um artigo assinado por um adorador da saga em que ele dizia que o filme era “destinado a agradar a todos”. Ou seja, um filme sob medida justamente para resgatar memórias.

E continuou ao dizer que ele é “uma valiosa história nerd tão básica que crianças conseguem entendê-la.”. O artigo confirma, em tom de entusiasmo, o que vemos com alguma consternação.

Porém, como havia dito acima, esse último filme possui alguma mensagem, certamente não percebida pelos espectadores, talvez não percebida pelos roteiristas.

Assim como nos outros 8 filmes da saga, o vilão é o chanceler/imperador Palpatine, retornando, dessa vez, como um clone que continua a comandar a “Primeira Ordem”, a versão atualizada do império.

Embora possa parecer e, de fato, é maçante e recorrência sempre do mesmo vilão, coisa que a maior parte do público sentiu, nesse caso há um significado: Palpatine personifica as más orientações que continuam a perseguir a sociedade mesmo muito tempo após a morte de sua origem ou de seus propagadores.

É, por exemplo, a representação de um Stalin, que continua poderoso mais de 70 anos após sua morte. Se há dúvidas, foi ele quem inventou e espalhou a tese do “terceiro mundismo”, das nações pobres contra as nações economicamente fortes (leia-se: EUA), coisa que ainda hoje ocupa todo o ensino escolar no Brasil, a ponto de ser impossível concluir o ensino fundamental e médio sem ouvir essa conversa algumas centenas de vezes.

Concordo que é um símbolo fraco e terrivelmente mal explorado no filme, já que o vilão aparece por poucos minutos e apenas para soltar frases de efeito provincianas, mas está lá e, honestamente, não me lembro de ter visto ninguém fazer essa observação quanto à simbologia do personagem.

Enfim, esse é o máximo de simbolismo que se poderá encontrar em filmes do nosso tempo. Nossa tônica se tornou a alimentação através de filmes de super-heróis que apelam unicamente para uma nostalgia pura e simples, com pretensões de coisa que preste.

Aliás, a primeira característica do herói é o auto sacrifício. Em quais desses filmes o espectador termina com verdadeira sensação dessa conduta?

Um adulto assistir a esses terríveis filmes de super-heróis com simples expectativa ou com identificação ou até com fanatismo, é um sintoma grave de decadência intelectual e, admitamos, moral. Não é um simples descanso com um assunto “besta”, mas uma fuga da realidade para o retorno a um estágio infantil.

Não é tão diferente das pessoas adultas que usam fraldas e se vestem como bebês na internet e passam o dia agindo como tais.

Se tornou impensável, hoje em dia, haver filmes como Aurora, de Murnau, ou mesmo O Silêncio dos Inocentes, pois o grande público sequer imagina que possa haver valores e virtudes, de modo que não as reconheceriam mesmo que as vissem.

Não há mais personagens para se olhar e fazer a comparação com a própria vida. Somente em filmes antigos conseguimos ter aquela sensação maravilhosa e terrível de ver um personagem tão bom a ponto nos fazer sentir vergonha de nós mesmos. Mas é para isso que serve o cinema enquanto arte.

O problema da perda da imaginação é que, com o passar do tempo, mesmo que surja algum grande filme, o público no máximo entenderia alguma parte superficial e de forma completamente absurda.

Já temos exemplo disso justamente com O Silêncio dos Inocentes, pois a maior parte do público jura que o conflito está permeado por uma “tensão sexual” entre o assassino Hannibal Lecter e a heroína Clarice Starling, enquanto que, na verdade, ela personifica a própria pureza.

No final das contas, o que sobrou do cinema foi apenas uma ode à imaturidade, um endeusamento e glamourização da infância, um saudosismo absolutamente terrível, com pessoas querendo simplesmente fugir para dentro do que foram no passado.

Já estávamos em queda livre na qualidade dos filmes e do público. Mas os recentes super-heróis, que sempre salvam o mundo, talvez tenham batido o último prego no caixão da intelectualidade e da imaginação humanas, deixando apenas a terra arrasada, sem a possibilidade de ressurgirmos em um outro universo.

 

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Emmanuel Ramos de Castro
Amante da literatura, poesia, arte, música, filosofia, política, mitologia, filologia, astronomia e espiritualidade.

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